Mudanças: Como implementar e lidar de forma mais orgânica
Por Dulcineia Alcock
Em uma manhã de sexta-feira, o Presidente anunciou a reestruturação da empresa. Reestruturação. Pânico. Alguns departamentos seriam fundidos. Eles dariam mais informações em breve. João passou o final de semana inteiro imaginando sua demissão. Marcia pensando por que, como gerente do departamento, ela não foi informada com antecedência. Ricardo, outro gerente, lamentou que não tivesse sido informado a tempo de preparar o seu time. Ana realmente apreciava seus colegas, e preocupava-se se seria dado a ela o direito de escolha. E Antonio, bem, esse estava preocupado com tudo isso, mas ele simplesmente achava que não era justo que, após todos esses anos de dedicação, as pessoas fossem tratadas dessa forma.
Mudanças às vezes são inevitáveis, e podem ser estressantes, ameaçadoras e traumatizantes. Podem. Não precisam ser.
David Rock, em seu livro Your Brain At Work (Seu Cérebro Trabalhando, em tradução livre) introduz o modelo SCARF (no Brasil conhecido por RICAS).
O propósito desta ferramenta é conscientizar e propor maneiras de agir sobre o que a Neurociência chama de ¨cérebro social¨, resultando em interações menos traumáticas e mais colaborativas. Como falamos um pouco neste artigo, o cérebro está sempre checando se estamos perto de um amigo, ou de uma pessoa que representa uma ameaça, e processa a ¨dor social¨ da mesma forma que processa a dor física. Há pesquisas onde a administração de paracetamol resultou no alívio da dor social (DeWall et. al., Psychological Science, 21 (7), 931-937).
A sigla RICAS facilita memorizar quais são as principais ameaças sociais, e assim preveni-las. Temos:
– R: Relação: especialmente associada à maneira como enxergamos as pessoas (amigos ou inimigos), guiando respostas de aproximação ou afastamento que virão desta observação.
– I: Imparcialidade: desejo de que haja justiça nas trocas entre as pessoas. Vale lembrar que para alguns isto pode significar que todos sejam tratados iguais. Para outros, que todos sejam tratados como indivíduos.
– C: Certeza: refere-se a ser capaz de prever o que vai acontecer no futuro.
– A: Autonomia: ligado à necessidade de ter controle sobre os eventos.
– S: Status: é a percepção que temos sobre a nossa posição em relação a um grupo.
Considerando que a nossa capacidade de tomar decisões, resolver problemas e colaborar com outros é reduzida quando nos deparamos com uma sensação de ameaça e aumentada quando o cérebro entende uma recompensa, como podemos usar RICAS para minimizar os efeitos estressantes de uma mudança?
Usando o exemplo acima, Marcia teria o seu senso de Status respeitado se uma breve reunião explicando os principais pontos da reestruturação fosse feita com os heads dos departamentos.
De fato, isto seria útil também após o comunicado do Presidente, quando as pessoas retornaram às suas mesas cheias de dúvidas que ninguém soube responder, o que afetou ainda mais seu senso de Status, bem como o senso de Certeza de João.
Supondo que não seria possível divulgar naquele momento se os cargos seriam mantidos, João poderia ter sido tranquilizado se o Presidente tivesse adicionado um detalhe ao seu comunicado: a data em que eles teriam mais informações.
Ricardo trabalhou duro para conseguir a confiança dos membros do seu time. Ele pensa que se tivesse tido a oportunidade de dar a notícia a eles, o impacto sobre o time teria diminuído, e eles continuariam a vê-lo como alguém em quem podem confiar. Preocupou-se com a Relação.
E quanto a Antonio, seria importante entender o ponto de vista da empresa para que ele entenda a decisão como justa e Imparcial, o que manteria sua disposição em colaborar.
A empresa pode pensar em maneiras de implementar a mudança de uma forma que as necessidades sociais sejam atendidas, engajando o Departamento Pessoal, por exemplo. Mesmo que as mudanças resultem em demissões, informar com antecedência, manter o seguro saúde por um período, informar as razões da empresa, tudo isso pode minimizar os efeitos da mudança.
Nas relações pessoais o RICAS também pode ser usado. Meu marido me passa mais informações sobre seus destinos de viagens de negócios e sobre planos para lazer com antecedência desde que entendeu a minha necessidade de Certeza. E eu procuro ver formas de expor o meu ponto de vista sobre as coisas sem que abale o seu senso de Status.
Se quiser explorar o assunto, acesse o artigo escrito por David Rock para o NeuroLeadership Journal (em inglês).
E se quiser saber em que ordem os elementos do RICAS importam para você, acesse este link e faça o teste (em inglês).
Entre em contato se quiser explorar melhor como o resultado do teste influência nas suas necessidades, decisões e como comunicar suas necessidades para outros.
Até o próximo artigo!
Dulcineia Alcock é Life Coach, certificada pelo NeuroLeadership Group em Londres.
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